28 de março de 2024 - 06:11

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11/04/2020 00:40

Reflexão em Tempos de Pandemia: Observações de Cientistas Sociais. Por Lupita Amorim e M. Filipe Araujo

 

 

Como enxergamos enquanto cientistas sociais em formação os impactos sociais em decorrência da pandemia da covid-19?

 

     O cientista social tem um papel muito importante na compreensão e reflexão das transformações que a sociedade vivencia, a partir disso, realizamos uma análise utilizando o método socioantropológico de observação participante na construção desta matéria. Sendo parte da população pesquisada,tentamos manter um certo distanciamento social, o qual foi um desafio para ambos, pois as vivências observadas nos perpassam, mas acreditamos que isso representa um ganho para a pesquisa científica, uma vez que conseguimos ter um maior aprofundamento para captar as vivências e experiências. Portanto, refletiremos o momento histórico que a nossa sociedade brasileira está passando apoiado em nossas observações.

 No dia 18 de março de 2020, a Câmara dos Deputados Federais aprovou o decreto que reconhece o estado de calamidade pública contra Covid-19 com previsão de duração até o dia 31 de dezembro deste ano.

         O Governo de Mato Grosso determinou ações visando diminuir a transmissão do vírus, garantindo a saúde e segurança da população mato-grossense, as quais foram aprovadas e assinadas por Mauro Mendes, em 16 de Março de 2020.

Acreditamos que essas medidas emergenciais tomadas com objetivo de estabelecer o isolamento social e de manter os serviços essenciais para evitar que o vírus se espalhe, fazem-se necessárias neste momento de crise, entretanto problematizamos aqui como essas medidas chegam para a sociedade.

Permanecer em casa é um privilégio para alguns e a forma mais segura de evitar a propagação do vírus. Aos trabalhadores que tem que se deslocar de casa para desenvolver suas atividades laborais resta que estes redobrem os cuidados e se protejam. Com base na realidade observada questões como essas são levantadas quotidianamente no nosso entorno, indagando se essas medidas de prevenção abrangem as pessoas que integram o grupo de vulnerabilidade socioeconômica, visto que enfrentam maior dificuldade de acesso aos direitos básicos devido às desigualdades sociais.

Existe risco da proposta de isolamento cessar, pelo posicionamento do presidente Jair Bolsonaro que tem defendido o isolamento vertical, referindo-se à COVID-19 como apenas uma “gripezinha”, evidenciado no pronunciamento no dia 24 de Março de 2020, durante uma coletiva de imprensa transmitida em todos os veículos de informação. Mesmo que seu discurso tenha sido “suavizado” em pronunciamentos posteriores, sua posição continua a mesma, a defesa do isolamento vertical, mostrando a não necessidade de diminuir o fluxo de pessoas nas ruas, visando “não parar a economia”. A problemática desse posicionamento está em não cumprir as recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, pois segundo eles, isolar apenas pacientes de doenças crônicas e idosos não combatem de forma eficiente a propagação do coronavírus.

Enquanto cientistas sociais em formação, propomos reflexões a partir da observação do comportamento e reações das pessoas ao nosso redor em relação a pandemia enfrentada.

Nas observações feitas por Filipe Araujo, de 20 anos, no condomínio em que mora na cidade de Cuiabá, foi possível notar o início da organização dos seus vizinhos e administração no combate da COVID-19.Desde que no município, a partir de 19 de Março de 2020, foram estabelecidas medidas de prevenção pela prefeitura impostas aos cidadãos a administração em conjunto com os moradores do condomínio começaram a se preocupar com o possível contágio da doença. Algumas atitudes foram adotadas pelos condôminos como: deixar veículos estacionados na garagem diminuindo o fluxo de automóveis no condomínio, interdição das áreas comuns destinadas ao lazer, instalação de pontos contendo álcool em gel em elevadores e áreas comuns e afixação de cartazes e disponibilidade de folhetos contendo informações sobre higiene e precauções de contato físico interpessoais.

O que colaborou para que houvesse uma maior aderência do “confinamento” foi a suspensão das aulas nas escolas municipais e estaduais e universidades, em razão disso as pessoas permaneceram em suas residências. Sendo que algumas estão a utilizando o método de Ensino à Distância (EaD) disponibilizando em seus sites as atividades pedagógicas aos alunos para serem cumpridas, visto a incerteza do retorno as aulas.

Notou-se um movimento de organização de solidariedade dos condôminos para arrecadar doações de roupas e alimentos para os trabalhadores dos setores de segurança e limpeza e das empregadas domésticas e faxineiras que trabalham para o condomínio/condôminos. Esse gesto em relação a situação inusitada e atual vivenciada por todos mostra que há uma sensibilidade por parte de alguns dos contratantes em relação aos prestadores de serviço ou empregados, visto que alguns dos trabalhadores que desempenham atividades imprescindíveis tiveram que permanecer exercendo suas funções, aderindo uma redução de carga horária diária ou trabalhando em sistema de rodízio.

Portanto, em sua observação social percebeu-se que esse gesto solidário por parte de algumas pessoas não é suficiente, porém é uma ajuda pontual e necessária. Para precaverem do coronavírus esses trabalhadores precisam de uma perspectiva aprofundada em suas realidades, porque continuam trabalhando, expondo-se aos riscos durante o translado até o seu local de trabalho, mesmo que a administração do condômino garanta a segurança no trabalho providenciando luvas, máscaras e álcool em gel e é ignorado como se dá a continuidade dessas medidas de prevenção na casa desses trabalhadores. As ações conjuntas propostas pela administração do condomínio e moradores deveriam aprofundar-se para uma ação mais concreta de prevenção mantendo a saúde desses prestadores de serviço.

As ações preventivas observadas deveriam ser expandidas para outros condomínios, mas não se soluciona de forma cabal a problemática, pois quem faz o deslocamento para trabalhar não se enquadra na “quarentena” como preconiza a OMS.

Nas observações feitas por Lupita Amorim, de 21 anos, que reside no bairro Pirineu na periferia central de Várzea Grande,  detectou-se que mesmo depois do Governo de Mato Grosso recomendar o isolamento social para evitar a transmissão do vírus, percebeu-se que os moradores da comunidade não estavam tão preocupados, pois a rotina permaneceu inalterada no bairro, quanto a circulação de veículos e  pessoas frequentadoras do comércio local (bares, restaurantes, mercado e salões de beleza) não se atentando as restrições estabelecidas.

Ao observar a rotina dos moradores, registrou-se também às festas privadas organizadas pelos mesmos como comemorações e reuniões religiosas, além de aglomerações desnecessárias nas ruas.

Passados alguns dias o movimento nas ruas diminuiu, e com a suspensão  das aulas o número de pessoas no transporte coletivo foi reduzido drasticamente.Foi observada a diminuição do número de pessoas frequentando diariamente o mercado existente no bairro e que as pessoas estavam mais atentas aos cuidados necessários para se protegerem, mesmo que ainda não tivesse a confirmação de caso de pessoa infectada com o vírus na região.

Se antes os grupos de Whatsapp entre amigos e familiares já era um meio de comunicação e disseminação de notícias, nesse momento se mostrou uma ferramenta essencial para essas funções. Porém,infelizmente também houve a disseminação elevada de notícias falsas (fakenews).

Como as novas informações sobre o vírus e as mudanças inéditas feitas pelos veículos de comunicação de massa em suas programações diárias em níveis nacional e local, a incerteza sobre o futuro cresceu nos moradores do bairro, foi possível reparar reações de angústia, pânico e ansiedade causadas em alguns momentos.

O vírus não elege raça, gênero ou classe, entretanto os efeitos são mais letais nas regiões mais periféricas, diante da possibilidade de se propagar de forma mais rápida por conta dos problemas sociais relacionados aos serviços de negligência de saúde, segurança e saneamento básico. Além de preocuparem se vão receber as medidas básicas que o Estado deveria constitucionalmente fornecer, encontra-se diante dos desafios domésticos, sem garantia de direitos considerados mínimos para a sobrevivência por fazerem parte do grupo de vulnerabilidade socioeconômica, estes que antes da pandemia já lidavam com a falta de qualidade de vida e dificuldades para conseguir empregos, em quarentena precisam encontrar novas formas para sobreviver por causa das situações de injustiças vivenciadas sociais cotidianas.

Após a terceira semana da imposição da quarentena pode-se perceber que os moradores do bairro ainda estão tentando adaptar-se as recomendações de prevenção ao vírus, mesmo com as desigualdades sociais enfrentadas, que se agravaram e levantando o questionamento de quando e como o governo pretende sanar essas disparidades que podem custar vidas.

 Uma das ações governamentais estabelece que alunos da rede municipal de Cuiabá que pertencem a famílias de baixa renda vão receber merenda escolar (que seria destinada aos alunos) durante período de suspensão das aulas, entretanto, na rede municipal de Várzea Grande essa medida não foi adotada, e a merenda destinada a Emeb Eunice Cesar de Mello, localizada no bairro Pirineu, não contemplou as famílias de baixa renda do bairro durante o período de suspensão das aulas.

Outra ação durante essa quarentena foi de oferecer os serviços de rondas policiais nas ruas para fiscalizar e dissipar aglomerações.

A quarentena está sendo um período longo de provações e com todas as implicações socioeconômicas que afetam diretamente os menos favorecidos: Será que as vidas das pessoas mais pobres têm uma menor valoração para o Governo? Temos um grande desafio político enquanto cientistas sociais em apontar, analisar e cobrar ações diretas e imediatas dos nossos representantes para que considerem a dura realidade das periferias e os prejuízos humanos que pandemia está impondo e os desdobramentos sociais agravados pela crise jamais vista em um século de história.

Sendo assim, fica a indagação para o Governo de Mato Grosso e o Estado brasileiro, que até neste momento de enfrentamento da pandemia e isolamento social não fizeram medidas eficazes que cheguem aos grupos mais vulneráveis socialmente.

 

M. Filipe Araujo : Graduando de Ciências Sociais em Licenciatura do 5º semestre da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e integrante da gestão "Resistir para Existir" do Centro Acadêmico das Ciências Sociais (CACIS)
Lupita Amorim:  Graduando de Ciências Sociais em Licenciatura do 7º semestre da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),  Representante de Estudantes Negras e Negros no Conselho de Política de Ações Afirmativas do PRAE/UFMT e Coordenadora do Coletivo Negro Universitário da UFMT.

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