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Saúde

02/12/2018 13:32

Uso medicinal da maconha

Eudes Quintino de Oliveira Junior

Vários países já liberaram o uso medicinal da maconha, principalmente na redução das crises convulsivas, com razoável margem de segurança e boa tolerabilidade, sem relatos de efeitos alucinógenos ou psicóticos.

A Comissão de Estudos Sociais do Senado Federal apreciou o PL 514/17 e aprovou, com a participação da maioria dos parlamentares, a descriminalização do semeio, cultivo e a colheita da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, para uso terapêutico, modificando, desta forma, a tipificação contida no § 1º do 28 da lei 11.343/06 (Lei de Drogas). Não se trata de uma definição já consolidada, mas já foi um passo significativo, pois a peregrinação legislativa ainda vai mais adiante com o encaminhamento da matéria para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e contará posteriormente com a manifestação da Câmara dos Deputados.

Trata-se, na realidade, da liberação do princípio ativo THC, já algum tempo batendo às portas dos tribunais, assim como da ANVISA, órgão responsável pela aprovação dos produtos submetidos à vigilância sanitária. Vários países já liberaram o uso medicinal da maconha, principalmente na redução das crises convulsivas, com razoável margem de segurança e boa tolerabilidade, sem relatos de efeitos alucinógenos ou psicóticos.

No Brasil a lei 11.343/06 elenca os ilícitos penais relacionados com as drogas em geral. Por se tratar de uma norma penal em branco, pois não define o que se entende por drogas e quais substâncias seriam assim compreendidas, verifica-se que o complemento que lhe dá total eficácia no plano penal é a portaria 344/98 da ANVISA que, por sua vez, vem revestida de ato administrativo explicativo. Daí dizer-se que se trata de uma norma penal em branco heterogênea. Referida portaria estabelece quais substâncias são definidas como drogas e, consequentemente, proibidas para a comercialização, prescrição, transporte etc. Evidente que a maconha faz parte deste rol.

Deste modo, apenas por intermédio de uma nova lei federal, que venha expressamente autorizar o uso medicinal da maconha, mediante cumprimento de diversos requisitos, é que seria eficaz para permitir referido tratamento ou que a ANVISA retirasse sua proibição na portaria já citada. Essa última hipótese, no entanto, seria por demais danosa, pois alcançaria certamente a utilização recreativa da droga. Apesar de que, na leitura atenta da Lei de Drogas, no artigo 31 o legislador antevê a possibilidade de produção da cannabis sativa, para qualquer fim. Na melhor hermenêutica, porém, a interpretação compreende a demonstração plenamente justificada do pedido à autoridade judiciária, comprovando a necessidade excepcional do uso da maconha para fins terapêuticos.

É evidente, destarte, que a intentio legis não é defender a possibilidade de requerer autorização para plantar maconha para fim recreativo, ou mesmo para obter lucro. Trata-se de uma hipótese restrita, específica e que se centra na tutela concedida inter partes, somente atingindo quem eficientemente requereu para justificar um tratamento que possa, ainda que em tese, ser controlado por meio da prescrição da cannabis sativa.

Finalmente cumpre observar que o caminho legislativo seguiu a rota traçada pelos princípios da Bioética, ciência que ganha corpo e expande-se por todas as áreas, envolvendo vários profissionais que discutem com profundidade as novas propostas apresentadas pelos pesquisadores. Responsável pela apreciação das pesquisas envolvendo a saúde e vidas humanas, a Bioética tem sempre como norte a evolução da ciência e de seus aparatos tecnológicos em confronto permanente com o princípio da dignidade humana, lastreado na Constituição Federal.

Dentre os princípios, o da beneficência (primum non nocere ou malum non facere) guarda uma vinculação estreita com a decisão do legislador, pois a intenção na liberação do uso medicinal da maconha vem ao encontro de proporcionar as melhores condições para a vida humana, aplicando com segurança procedimento a ser realizado com a proteção a eventual dano, para assegurar à pessoa o bem-estar ou, em outras palavras, extremar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis danos. Não se pode olvidar que a dignidade prevista constitucionalmente, além de vincular o Estado a proporcionar o bem-estar a todo cidadão, compreende aqui não só as políticas públicas voltadas para a área da saúde, mas, também, qualquer necessidade decorrente de doença que atinja um número reduzido de pessoas, com a permissão de, justificadamente, quebrar regras sociais consideradas proibitivas.

Também relevante o princípio da justiça distributiva, da isonomia ou da distribuição igualitária, em que os benefícios recebidos por uma pessoa, no caso o medicamento, mesmo que seja de outro país, devem ser estendidos a outras, em razão da igualdade de tratamento que deve imperar no relacionamento humanitário.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 


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