04 de maio de 2024 - 07:41

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22/01/2024 12:11

Vila Bela: Juíza fala de Intolerância Religiosa.

 

A juíza Tatiana dos Santos Batista, de Vila Bela da Santíssima Trindade, é a primeira mulher negra a ascender a este posto no município, veio do Rio de Janeiro, onde atuou por 13 anos como professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos e ao tomar posse lembrou que: “É uma realização para meus alunos. Eu fico muito feliz, principalmente para as meninas e mulheres negras saberem que podemos estar em qualquer local, ocupar todas as posições importantes. Então é muita alegria em vários sentidos”.

Sobre o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, lembra que: “a liberdade religiosa é para nós, no Brasil, um direito fundamental e também um Direito Humano. Direito fundamental, consagrado na Constituição Cidadã, de 1988, um direito humano reconhecido na declaração universal de Direitos Humanos e também em outros documentos internacionais, no qual o Brasil adotou no seu ordenamento jurídico”

Ao telefone, com voz suave ela diz com seriedade falando do que gosta e talvez por isso, faça diferença. Por que que a Liberdade de religião tem essa conotação de direito fundamental e de direitos humanos?

 “Primeiro, Liberdade é um dos pilares de um estado democrático de direito. Pela Liberdade, em prol da Liberdade, nós tivemos infinitas, várias revoluções, lutas, tivemos e temos até hoje. Nós só mudamos a conotação dessa Liberdade. E a religião, por outro lado, a Liberdade de religião; a religião talvez seja, uma das principais características do ser humano, crer em algo ou não crer em algo, é próprio desse ser, que tem consciência que tem pensamento. Então, alguns vão dizer que a religião religa, trazendo o homem ao divino que ele acredita existir, neste sentido, precisamos (sistema judiciário) proteger o ser humano, garantir a ele direitos e deveres. A Liberdade religiosa se torna um ápice, um elemento intrínseco a essa natureza humana”.

A voz cristalina, alegre, da magistrada Tatiana flui mostrando a força da Lei no equilíbrio da Justiça: “Liberdade de religiões, liberdade de crenças, de crer ou não crer, moldada pela nossa cultura ocidental influenciada pela ideia judaico cristã, ela faria que o ser humano se tornasse uma pessoa melhor, seguindo um modelo de algum um líder religioso pudesse rever suas atitudes, analisar a sua caminhada, a sua existência, conviver de uma forma melhor consigo e com o outro.”

Tatiana traz no sobrenome “Santos” e “Batista” cujo significado nos remete ao sagrado, e à sensibilidade onde raras mulheres negras brilham na magistratura nacional. Analisando intolerância religiosa e racismo pontua: “contudo, nós percebemos que muitas vezes a manifestação de determinada religião ou grupo religioso, acaba não recebendo essa proteção de Liberdade de crença e nós podemos chegar à conclusão que há intolerância religiosa. Quando eu tenho a impossibilidade, de você exercer aquela função religiosa, a religião, a sua crença. Ela está diretamente ligada ao exercício de religiões de matrizes africanas. É o candomblé, é umbanda, até mesmo o espiritismo, que não tem matriz africana, tem uma matriz europeia francesa. Até ele mesmo em algumas vertentes sofre parte dessa intolerância religiosa. Quando a pessoa fala é centro de mesa branca. Olha, então o que que eu estou a falar? Que a intolerância religiosa está umbilicalmente ligada ao RACISMO que nos envergonha o Brasil. Neste sentido se o Racismo, se a injúria racial é crime no Brasil. A intolerância religiosa mereceu esse olhar do Direito para ser criminalizada”

 A Juíza Tatiana Santos evidencia os avanços da lei, ressalta que as conquistas pela liberdade foram frutos de revoltas e lutas populares, apesar de enaltecer o amparo e a assistência fundamental do Direto, finaliza que a criminalização não resolve a situação do racismo religioso:   

“Não por outro motivo nós tivemos a lei 14.532/2023, que alterou   a lei de crime racial é 7.716/1989. Ela foi alterada por essa lei 14.532/2023, que também modificou o Código Penal. Para trazer, é tipificar como crime de racismo, a injúria racial e também prevê uma pena para o racismo religioso. A injúria racial nada mais é que o racismo religioso. Então, de acordo com essa nova lei, se nós praticarmos uma injúria, alguém ofendendo ali, a dignidade, o decoro da pessoa, e essa ofensa for em razão da cor, da etnia. Se a ofensa, for praticada no contexto religioso, eu já estou falando aqui de uma pena de reclusão, de dois a cinco anos. A conduta de injúria religiosa, pode ser praticada, de forma autónoma, a pessoa utiliza elementos da religião, por exemplo, para injuriar; então veja: eu tenho tanto a injúria religiosa ligada ao racismo como a injúria religiosa por si só. Nós temos tipos penais específico no código penal, lá no Art.140, parágrafo III, do Código Penal.

Não é o melhor dos mundos, dos caminhos se resolver criminalizando uma situação, mas é como o Direito encontra, muitas vezes a saída para punir aquela atitude discriminatória.”

Pela primeira vez na história de Vila Bela da Santíssima Trindade mulher negra está no comando do Poder Judiciário local, falando uma linguagem acessível e humanizada. Novos tempos trazem novas realidades.

Por Gilda Portella, sacerdotisa de Umbanda, multiartista, historiadora/UFMT, mestranda em Estudos de Cultura Contemporânea/UFMT.

 

 


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